2015 m. vasario 16 d., pirmadienis

Comtigo a escura noute é claro dia,, Nunca em ti nada se avaria, Que quem louvar-te ousasse te ofenderia. Sem ti o dia claro é noute escura, se não varia;, Sempre num parecer estás seguro na loucura na tormenta da secura....Em quem se vê, senhora, o que em vós vemos? E de quem s'ouve o que de vós ouvimos? De quem se sente o que de vós sintimos? De quem como de vós tanto creremos? Conte espantos o mundo, conte estremos 5 Do que agora se vê, do que não vimos: Mas nós sobre tudo isto só siguimos Vosso louvor que sempre siguiremos. A voz, o ingenho, a arte, a natureza, O esprito, o amor, a rima, o livre estilo À vosso nome todo peito abrandem. Tenham nele azas, nele fortaleza Com que vossos louvores inda mandem Do claro Tejo tó o famoso Nilo. 192. f. i33i- Epigrama XXXI V. Diz que as Parcas senhoras são das vidas; Mil vidas de teus olhos, Pilis, pendem. Das Graças são mil graças repartidas, Mas a ti com razão, Filis, se rendem. São as Musas ó ingenho concedidas; Mil ingenhos de ti, Filis, aprendem: Triunfas, Filis, (como do mais usas) Das Parcas e das Graças e das Musas!

Eu canto e cantarei fia fermosura 
Qu'enche o mundo d'espanto, o Amor de gloria, 
E a quem a canta, dá clara memoria, 
E a quem a ama, raríssima ventura: 

Que com valerosissima brandura 5 

De todo esprito tem certa vitoria, 
E a seu nome dará imortal historia 
Milagrosa, alta, doce, clara e pura. 

Cantarei, mas conheço do meu canto 
Qu'inda que llrestá sempre oferecido, 

É indino a tanto nome e a valor tanto. 

Mas como for' seu nome nele ouvido, 
Todo peito encherá d'araor e espanto, 
Justamente a quanto ha nele devido. 



. Epigrama XXXV. 

O entendimento, Filis, me reprende 
Quando em ti cuido, se louvar-te quero; 
E diz que, se ninguém, Filis, fentende, 
Como poder chegar a tanto espero? 
O esprito em teu louvor sempre s'acende, 
Co esta lembrança este fervor tempero; 
Mas vejo que a ti só tem o ceo dado 
Quanto em mil fermosuras tem mostrado. 






 Soneto CIX. 

Zéfiro brando, suave e amoroso, 
Qae vens de novo os ares refrescando, 
E co Amor que comtigo vai voando, 
Buscas a quem o faz mais poderoso: 

Mais brando ficarás, e mais fermoso 5 

Verás o dia ali onde derramando 
Mil graças está sempre um riso brando 
E um esprito altamente valeroso. 

Ali acharás aquela fermosura, 
Igual a tudo o mais que se vê nela 10 

De raríssimos does do ceo ornada. 

Mil ingenhos cantar ouvirás d'ela, 
E todo esprito de que for' cantada 
Com seu nome terá nome e ventura. 

Polo muito que vos quero, Entendo o que vos mereço; Bem vejo quam pouco espero, Mas assi peço o que peço; Que só vossa verdade é preço Não entendo de mim s'estou com siso; Mas alma e vida julgo por ditosas, E sua prisão por doce e por suave Quando eu as frechas vejo com que o lado Brandamente me tem o Amor ferido, E quando os laços d'ouro que a um cuidado Atada a alma me têm, preso o sentido; Quando aquele som ouço nunca ouvido, Entre robis e perlas bem formado, De que este esprito fica assi vencido Que de toda outra cousa é descuidado; Quando as vermelhas, quando as brancas rosas Que me levam trás si, e quando um riso De que encho est' alma, riso brando e grave:

António, sabe que em tam triste sorte 
Me tem o Amor e minha estrela dura 
Que m'é o dia claro noute escura, 
Cego sem ver meu sol, sem ver meu norte! 

Em quanto sinto m'ameaça a morte, 

Mas pouco em minha vida s'aventura; 
Foge a alma pêra lá, de mim não cura, 
Sente em mim grave peso e prisão forte. 

Com tudo quanto vejo me carrego, 
E por não ver que posso assi ter vida  

Sem ver a minha luz, a mim me nego, 

A mim me desconheço, e pouco crida 
De Filis é esta dor, muito do cego 
Minino festejada e consentida. 


 

f.45r°. Soneto XIX. 

Vai -se um mes e outro mes, um ano e outro ano. 
Muda-se o gosto, muda-se a vontade,  

Ha cad' ora úa e outra novidade, 
E eu sempre vou seguindo um mesmo engano! 




E vendo claramente o desengano 

E mal crida de vós minha verdade, 
Nada sentida minha saudade, 
Contente vou correndo após meu dano. 

Úa ora só em mil dias que vos veja 
Basta para os passar alegremente 

Côas esperanças de vos ver outr' ora. 

Mas est' alma em que sempre estais presente 
Ora vos teme ver, ora o deseja, 
Mas ou alegre ou triste, sempre chora. 
 
 Senhora, dai -me do vosso amor, 
Que o desejo, 

E por ele mouro e peno! 

2. Desd' o dia que vos vi 

Não soube mais desejar;  

Tudo em mim aborreci 

Para tudo em vós amar. 

Yosso amor vejo faltar 

A este desejo; 

D'isto mouro, e d 'isto peno
 
 
 
Que vencem toda prosa e toda rima, 
Por verem onrado o mundo d'esses olhos 
Que versos darão sempre a todo canto. 

 E ninguém tirará nunca a meu canto 

Correr com vosso nome o mar e a terra, 

Ora cantando esses ferraosos olhos, 
Ora mostrando as outras raras graças, 
Qu'ou em prosa cantadas, ou em rima 
Vencida a vosso amor trarão tod' alma. 

5. Que não poderá achar-se nenhua alma 
A que não seja brando e doce o canto, 

(Inda que com inculta e pobre rima 
Nenhum nome mereça ter na terra) 
 
 
 Se ornado fôr', senhora, d 'essas graças, 

E rico d'esses vossos claros olhos.  

6. Se vedes vossos poderosos olhos, 
A eles atada sempre tereis a alma; 

E se cuidais era vossas mesmas graças, 

Indino achareis d'elas todo canto, 

De vossa fermosura indina a terra,  

De vosso nome indina toda rima. 

7. Mas cante minha rima sempre uns olhos 
Mais ferraosos da terra, sempre fia alma 
Que pode ornar meu canto com suas graças