António, sabe que em tam triste sorte
Me tem o Amor e minha estrela dura
Que m'é o dia claro noute escura,
Cego sem ver meu sol, sem ver meu norte!
Em quanto sinto m'ameaça a morte,
Mas pouco em minha vida s'aventura;
Foge a alma pêra lá, de mim não cura,
Sente em mim grave peso e prisão forte.
Com tudo quanto vejo me carrego,
E por não ver que posso assi ter vida
Sem ver a minha luz, a mim me nego,
A mim me desconheço, e pouco crida
De Filis é esta dor, muito do cego
Minino festejada e consentida.
f.45r°. Soneto XIX.
Vai -se um mes e outro mes, um ano e outro ano.
Muda-se o gosto, muda-se a vontade,
Ha cad' ora úa e outra novidade,
E eu sempre vou seguindo um mesmo engano!
E vendo claramente o desengano
E mal crida de vós minha verdade,
Nada sentida minha saudade,
Contente vou correndo após meu dano.
Úa ora só em mil dias que vos veja
Basta para os passar alegremente
Côas esperanças de vos ver outr' ora.
Mas est' alma em que sempre estais presente
Ora vos teme ver, ora o deseja,
Mas ou alegre ou triste, sempre chora.
Senhora, dai -me do vosso amor,
Que o desejo,
E por ele mouro e peno!
2. Desd' o dia que vos vi
Não soube mais desejar;
Tudo em mim aborreci
Para tudo em vós amar.
Yosso amor vejo faltar
A este desejo;
D'isto mouro, e d 'isto peno
Que vencem toda prosa e toda rima,
Por verem onrado o mundo d'esses olhos
Que versos darão sempre a todo canto.
E ninguém tirará nunca a meu canto
Correr com vosso nome o mar e a terra,
Ora cantando esses ferraosos olhos,
Ora mostrando as outras raras graças,
Qu'ou em prosa cantadas, ou em rima
Vencida a vosso amor trarão tod' alma.
5. Que não poderá achar-se nenhua alma
A que não seja brando e doce o canto,
(Inda que com inculta e pobre rima
Nenhum nome mereça ter na terra)
Se ornado fôr', senhora, d 'essas graças,
E rico d'esses vossos claros olhos.
6. Se vedes vossos poderosos olhos,
A eles atada sempre tereis a alma;
E se cuidais era vossas mesmas graças,
Indino achareis d'elas todo canto,
De vossa fermosura indina a terra,
De vosso nome indina toda rima.
7. Mas cante minha rima sempre uns olhos
Mais ferraosos da terra, sempre fia alma
Que pode ornar meu canto com suas graças
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